Artigos Envie esse conteúdo para o email de um amigo Exibe a versão de impressão da página Retorna para a página anterior

"Mandado de segurança e crime de desobediência", por Tarcisio Vieira de Carvalho Neto
(20/02/2010 - 09:36)

A (nova) Lei do Mandado de Segurança (nº 12.016, de 7 de agosto de 2009), no art. 26, fez opção expressa por uma das soluções exegéticas trilhadas pela doutrina brasileira para o descumprimento da ordem mandamental expressa no mandado judicial, a saber, a caracterização do crime de desobediência, expresso no art. 330, do Código Penal.
 
O texto legal, em leitura açodada, parece indicar não uma sujeição genérica, hipotética, dependente da verificação de elementos peculiares, mormente os volitivos, móveis do sujeito ativo, mas sim uma desvelada correlação automática da conduta à sanção, uma sonora ameaça concreta aos agentes públicos incautos e desavisados.
 
A técnica legislativa moderna desnatura, em essência, a tradição de silêncio no trato do tema da tutela executiva em face do poder público, relacionada a um misto de crença e confiança no cumprimento ao princípio da legalidade por parte dos agentes públicos. Tal proceder, todavia, parece justificado pelo fato de que, na atual realidade fenomênica brasileira, jorram episódios de descumprimentos de ordens mandamentais por autoridades (coatoras) públicas, por vezes de maneira subliminar e outras tantas de maneira impudica.
 
Por isso mesmo é que balizada doutrina, até o momento reinante, sempre se esforçou no sentido de dar certa abertura exegética às consequências jurídicas do injustificável comportamento claudicante. A falta de normas legais específicas para assegurar o cumprimento do direito reconhecido na sentença mandamental vinha sendo entendida como a possibilidade de o juiz lançar mão da medida, coercitiva ou sub-rogatória, que melhor se amolde ao caso concreto.
 
Assim, além da hipótese de caracterização de crime de desobediência, amplamente aceita por alguns, até mesmo com sujeição do impetrado renitente à prisão em flagrante, descortinavam-se, como soluções iguais e juridicamente válidas, a intervenção e a aplicação de multas processuais (astreintes).
 
Não obstante, no regime da lei superada (nº 1.533/51), erigiam-se severos óbices à pronta caracterização do crime de desobediência, reservando-o para hipóteses muito típicas de dolo específico e possibilidade material de cumprimento da ordem. Tal diretriz interpretativasempre denotou harmonia jurídica sistêmica, porquanto, sob a égide do Direito Penal, sempre se vinculou a prática da conduta descrita no art. 330 do Código Penal à verificação existencial de elementos como: a) legalidade formal e material da ordem (elemento normativo do tipo); b) possibilidade concreta da desobediência, ou melhor, necessidade de que o sujeito ativo tenha condições de cumprir a determinação; e c) vontade livre e consciente de desobedecer à ordem do funcionário público.
 
A lógica do posicionamento restritivo estava em obstar o risco da banalização do crime e, mais do que isso, a partir do reconhecimento da falência do método generalizante, buscar formas mais criativas e efetivas de cumprimento da ordem mandamental, o interesse mais relevante.
 
A opção que se fez de tornar crime a conduta, como regra, sem aparente tergiversação, parece indicar uma má opção da legislação, de vez que permanecem hígidas as críticas sempre existentes à tipificação. Caberá aos tribunais, em especial ao Superior Tribunal de Justiça, guardião maior do texto federal infraconstitucional, extrair, com a fidedignidade necessária, interpretação que se sustente no âmbito das leis e do justo.
 
Pugna-se, no particular, no sentido de que se interprete a norma em sua inteligência ideal, qual a de que a caracterização do ilícito previsto no art. 330 do Código Penal, relativamente ao descumprimento de ordem judicial mandamental, só tenha lugar diante de recalcitrância injustificável, seja pelo prisma do elemento volitivo, seja pelo ângulo da possibilidade material de cumprimento. Insta aguardar.

Tarcisio Vieira de Carvalho Neto

  Sitio publicado em 01/02/2008